"Logo na primeira frase, o projecto: "Desde o bosão de Higgs, gente e bestas esbarram-se." Animais, humanos e acontecimentos: eis o que esbarra, o que colide, o que provoca acidentes.
Muitos bichos - formigas, papagaios. Bichos grandes e pequenos, bichos que andam na cabeça (por cima e por dentro). A linguagem rápida; as frases descrevem, acertam nos eventos observados com olho clínico. Olho que se mexe.
Muitos autores convidados (gentileza da hospitaleira Kátia): Cortázar, Borges, Bolaño, David Foster Wallace e etc.
Mendigos e muchachas subnormais, mulheres que protegem e julgam. Personagens como Juarez, jogador, pornógrafo e muitas coisas - e ainda etc. Humor e sarcasmo, sempre presentes.
A minha amiga Kátia Bandeira de Mello Gerlach escreveu um belíssimo livro: ritmado com a batida que convém à língua; histórias e frases em jazz corrido; jazz alegre. Deixo um exemplo, de "Cuspe no aquário": "Se me perco nas ruas numeradas, zombam de mim? Os peixes morrem no aquário. Alimento-os nas manhãs. Correm afoitos para engolirem o pó granulado de odor marinho, e à tardinha eles já, já morrem. Por vezes, nascem filhotes e não sobrevivem, solúveis como os grãos. Difícil distinguir mãe e pai; nadam sem expor o sexo, embora corram uns atrás dos outros com ímpeto em momentos espontâneos e certos. Perecem para a minha redenção: um mecanismo medonho nos liga e transcende. Olham-me pela transparência do vidro e reconhecem-me, a mulher perdida nos números, a mulher ¥p¡@."
Este COLISÕES, de Kátia Bandeira de Mello Gerlach, é um livro insolúvel, ele aí está - alegrando o espaço."
GONÇALO M. TAVARES